Nossa Senhora recebe Santo Estevão de Hungria no Céu |
Quando uma alma está para sair desta vida, diz Isaías, se conturba o inferno todo e manda os demônios mais terríveis a tentá-la antes de sair do corpo e depois acusá-la, quando se apresentar ao tribunal de Jesus Cristo. " O inferno via-se lá embaixo à tua chegada todo turbado, e diante de ti levanta gigantes" (Is 14, 9). Mas Ricardo diz que os demônios, em se tratando de uma alma patrocinada por Maria, não terão atrevimento, nem ainda para acusá-la. Pois sabem muito bem que o Juiz nunca condenou, nem condenará jamais uma alma patrocinada por sua grande Mãe. S. Jerônimo escreve à virgem Estóquio que Maria não só socorre os seus amados servos na sua morte, mas também os vem esperar na passagem para a eternidade, a fim de os animar e de os acompanhar até ao tribunal divino. Ó dia esse, exclama o Santo, em que a Mãe de Deus, rodeada de muitas virgens, há de vir ao teu encontro! E isto se conforma com o que a mesma Santíssima Virgem disse a S. Brígida, referindo-se a seus devotos moribundos: Na hora da morte dos meus servos eu venho, como Senhora e Mãe amantíssima deles, e lhes trago consolo e alívio. Ajunta S. Vicente Ferrer que a bem-aventurada Virgem recebe as almas dos que morrem. Nossa amorosa Rainha acolhe sob seu manto as almas dos seus servos, apresenta-as ao Filho que as deve julgar e obtém-lhes a salvação. Foi o que aconteceu a Carlos, filho de S. Brígida. Morrera na perigosa carreira de soldado, longe da mãe, que por isso mesmo muito temia pela salvação dele. Mas a Santíssima Virgem revelou-lhe que Carlos se havia salvo, pelo grande amor que lhe consagrava, razão por que ela própria o assistira na última hora, sugerindo-lhe todos os atos cristãos necessários no momento. Ao mesmo tempo viu a Santa Jesus Cristo no trono, e viu também que o demônio lhe apresentou duas acusações contra a Santíssima Virgem. Era a primeira que Maria lhe tinha impedido de tentar o moribundo; a segunda, que ela mesma havia apresentado ao Juiz a alma de Carlos e assim a salvara, sem lhe permitir alegar nem ainda os direitos que ele, demônio, possuía.
Seus vínculos são uma atadura de salvação - e nela acharás tu no fim o teu descanso (Eclo 6, 29, 31). Feliz de ti, meu irmão, se na hora da morte te achares preso pelas doces cadeias do amor à Mãe de Deus. Como cadeias de salvação, esses vínculos te assegurarão a tua eterna bem-aventurança, e te farão gozar na morte aquela paz bendita, que será princípio da paz e do repouso eterno. Refere o Padre Binetti no seu livro "A Perfeição", que assistindo ele um grande devoto de Maria à hora da morte, o ouviu dizer antes de expirar: "Ó meu padre, se soubésseis quanto contentamento sinto por ter sido servo da Santíssima Mãe de Deus! Não sei explicar a alegria que sinto neste instante! - Tinha o Padre Suárez muita devoção a Nossa Senhora e costumava dizer que trocaria sua ciência pelo valor de uma Ave-Maria. Ao morrer, tanta lhe era a alegria, que exclamou: Nunca imaginei que fosse tão suave o morrer! O mesmo contentamento e alegria sentirás também tu, devoto leitor, se na hora da morte te recordares de haver amado a esta boa Mãe, a qual não sabe deixar de ser fiel com os seus filhos, que foram fiéis em servi-la e em obsequiá-la, visitando-lhe as imagens, rezando o rosário, jejuando, rendendo-lhe graças com frequencia, louvando-a e encomendando-se a seu poderoso patrocínio.
Não te privará desta consolação a lembrança de teus pecados passados, se de hoje em diante cuidares em viver como bom cristão, servindo a tão grata e benigna Senhora. Verdade é que o demônio há de vir com angústias e tentações para levar-te ao desespero. Mas a Virgem te confortará; virá em pessoa te assistir na hora da morte, como fez a Adolfo, conde de Alsácia. Deixara ele o mundo e entrara para a Ordem dos Franciscanos, onde se tornara, como rezam as Crônicas, um grande servidor de Maria. Estando para morrer, ao pensar no rigor do juízo divino, começou a tremer perante a morte, cheio de receios sobre a sua salvação. Então Maria, que não dorme nas angústias dos seus servos, acompanhada de muitos santos, se apresentou ao moribundo e animando-o lhe disse: Meu caro Adolfo, por que tens medo da morte? Porventura não me pertences? Com estas palavras o servo de Maria se consolou, desaparecendo todos os seus temores e expirou em santa paz e contentamento.
Eia, pois, animemo-nos nós também. Ainda que sejamos pecadores, tenhamos confiança que Maria há de vir assistir-nos na hora da morte, consolando-nos com sua presença, se a servimos com amor durante os dias que ainda nos restam no mundo. Nossa Rainha prometeu um dia a S. Matilde que havia de vir assistir, à hora da morte, todos os seus devotos que a servissem fielmente em vida. Que consolação, ó meu Deus, não será a nossa, quando no último momento da nossa vida, tão decisivo para a causa da nossa salvação, virmos ao pé de nós a Rainha do céu, assistindo-nos e consolando-nos com a promessa de sua proteção! Inumeráveis exemplos da assistência de Maria a seus servos moribundos, além dos já citados, vêm narrados em vários livros. Esse favor foi concedido a S. Félix de Cantalício, capuchinho, a S. clara de Montefalco, a S. Teresa, a S. Pedro de Alcântara. Conta o padre Crasset que S. Maria Ognocense viu a Santíssima Virgem à cabeceira de uma devota viúva de Villembroc, que ardia em febre; e viu-a consolando a doente, refrigerando e aliviando-a em sua febre.
Fechemos este capítulo com um novo exemplo que fala do terno amor desta boa Mãe para com seus filhos na hora da morte.
Exemplo:
A Virgem Santíssima busca um servo seu agonizante e leva-o ao Paraíso
S. João de Deus, estando para morrer, esperava a visita da Santíssima
Virgem, de quem era muito devoto. Não a vendo vir, porém, entristeceu-se
muito e disso queixou-se com os parentes. Eis que a seu tempo lhe
aparece a Mãe de Deus e repreende-o da sua falta de confiança. Diz-lhe
em seguida estas meigas palavras, que devem alentar a todos os seus
servos: João, não abandono meus servos numa hora como esta! Com isso
parecia querer dizer: Que estás pensando, meu caro João? Que eu te havia
abandonado? Não sabes então que nunca abandono meus servos, à hora da
morte? Não vim mais cedo porque ainda não era tempo; agora, sim, vim te
buscar; vamos juntos para o paraíso.— Pouco depois expirava o Santo (t
1550)e voava para o Céu, a dar graças a sua amantíssima Rainha, por toda
a eternidade.
ORAÇÃO
Ó minha Mãe suavíssima, qual será a morte de um pobre pecador como
eu? Quando penso naquele terrível momento em que hei de expirar e
comparecer ao tribunal divino, tremo e fico todo confuso, e muito duvido
da minha salvação eterna, lembrando-me de que eu mesmo escrevi a
sentença de minha condenação.
O Maria, no sangue de Jesus e na vossa intercessão ponho toda a minha
esperança. Sois Rainha do céu, a Soberana do universo, numa palavra,
sois Mãe de Deus. É verdade que sois muito elevada em dignidade; mas
vossa grandeza não vos afasta de nós, senão que faz com que tenhais
ainda mais compaixão de nossas misérias. Quando elevados a alguma
dignidade, abandonam os amigos do mundo e desprezam seus antigos
companheiros caídos no infortúnio. Mas vosso coração tão amoroso não
procede assim. Mais se empenha em aliviar, onde maiores misérias
descobre. Assim que vos invocamos, vindes em nosso socorro: prevenis até
nossas preces com vossos favores. Vós nos consolais nas aflições,
dissipais as tempestades e venceis os inimigos. Em suma, nunca perdeis
ensejo de trabalhar para nosso bem. Bendita seja para sempre aquela
divina mão que em vós aliou a tanto amor tanta grandeza, tanta majestade
e tanta ternura. Agradeço-o sem cessar ao Senhor e sobre isso me
alegro. Pois em vossa felicidade encontro a minha também, e considero
minha a vossa ventura. Ó consoladora dos aflitos , consolai uma alma
aflita que a vós se recomenda. Aflito estou por causa dos remorsos de
uma consciência tão sobrecarregada de pecados.
Não sei se os tenho chorado como devia. Vejo todas as minhas obras
cheias de defeitos e manchas. O inferno só espera por minha morte para
acusar-me; a justiça divina ultrajada quer ser satisfeita. Que será de
mim, minha Mãe? Se não me ajudardes, estou perdido. Que dizeis, quereis
ajudar-me? Ó Virgem piedosa, consolai- me; obtende-me verdadeiro
arrependimento de meus pecados, alcançai-me força para emendar-me e ser
fiel a Deus nos dias que ainda me restam. E quando eu me achar nas
ânsias da morte, ó Maria, esperança minha, não me abandoneis. Então
fortalecei-me mais do que nunca e assisti-me para que, à vista de meus
pecados relembrados pelo demônio, eu não me entregue ao deses-spero. O
Senhora minha, escusai tanta ousadia: vinde vós mesma consolar-me com a
vossa presença. A tantos outros já tendes feito semelhante graça.
Fazei-a também a mim. Se grande é minha ousadia, ainda maior é vossa
bondade, que anda procurando os infelizes para os consolar. E nesta que
eu ponho minha esperança. Seja vossa eterna glória o haverdes salvo do
inferno e conduzido ao vosso reino um pobre condenado. Lá espero depois
consolar-me, estando sempre aos vossos pés, dando-vos graças,
louvando-vos e amando-vos eternamente. Ó Maria, eu espero em vós; não
me deixeis ficar desconsolado. Assim seja, assim seja. Amém.
*Grifos meus.
(Livro: Glórias de Maria
- Santo Afonso Maria de Ligório)
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