A Virgem e o Menino Jesus com São João Batista - Francisco de Zurbarán |
Não é sem motivo e sem boa
razão que os servos de Maria a chamam de Mãe. Parece até que não sabem invoca-la
com outro nome, nem se fartam de sempre lhe chamar de Mãe. Sim, Mãe, porque é
verdadeiramente nossa Mãe, não carnal, mas espiritual, das nossas almas e da
nossa salvação.
O pecado, quando privou a
nossa alma da divina graça, a privou também da vida. Estávamos, pois,
miseravelmente mortos, quando veio Jesus, nosso Redentor, com excessiva
misericórdia e amor, restituir-nos a vida pela sua morte na cruz. Ele mesmo o
declarou: Eu vim para elas (as ovelhas) terem a vida, e para a terem em maior
abundância (Jo 10, 10).
“Em maior abundância”,
porque, dizem os teólogos, Jesus Cristo com a redenção trouxe-nos maior bem, do
que Adão mal nos causou com o seu pecado. Assim, reconciliando-nos ele com
Deus, se fez Pai das almas na nova Lei da graça como já estava profetizado por
Isaías ao chama-lo de “Pai do futuro e príncipe da paz” (Is 9, 6). Mas, se
Jesus é pai de nossas almas, Maria é a Mãe. Pois em nos dando Jesus, deu-nos
ela a verdadeira vida. Em seguida proporcionou-nos a vida da divina graça,
quando ofereceu no Calvário a vida do Filho pela nossa salvação. Em duas
diferentes ocasiões tornou-se, portanto, Maria nossa Mãe espiritual, como
ensinam os Santos Padres.
Primeiramente, quando
mereceu conceber no seu ventre virginal o Filho de Deus, conforme diz S.
Alberto Magno. E mais distintamente nos adverte S. Bernardino de Sena com as
palavras: Quando a Santíssima Virgem deu
à anunciação do anjo seu consentimento, pediu a Deus vigorosissimamente a nossa
salvação; e de tal modo a procurou, que desde então nos trouxe nas suas entranhas
como Mãe amorosíssima.
Falando do nascimento do
Salvador, diz S. Lucas que Maria deu à luz o seu Filho primogênito (Lc 2, 7).
Logo, observa certo autor, se o evangelista afirma que então a Virgem deu à luz
o primogênito, deve-se supor que depois teve outros filhos? Mas é de fé,
continua o mesmo autor, que Maria não teve outros filhos carnais além de Jesus.
Deve, por conseguinte, ser Mãe de filhos espirituais e esses somos nós todos.
Isto mesmo revelou o Senhor a S. Gertrudes.
Depois de ler um dia a
citada passagem do Evangelho, ficou a santa completamente perturbada. Não podia
entender como sendo Maria Mãe somente de Jesus Cristo se pudesse dizer que ele
foi o seu primogênito. E Deus lho explicou, dizendo-lhe que Jesus foi o seu
primogênito segundo a carne; mas que os homens foram os outros filhos seus,
segundo o espírito.
E com esta explicação se
entende o que se diz de Maria nos Sagrados Cânticos: “O teu seio é como um
monte de trigo, cercado de açucenas” (7,
2). O que explica S. Ambrósio, dizendo: No seio puríssimo de Maria havia um só
grãozinho de trigo, que era Jesus Cristo. Não obstante, é ele comparado a um
monte de trigo, porque naquele grãozinho estavam todos os eleitos, dos quais
Maria também havia de ser Mãe. Por este motivo escreve S. Guilherme, abade: Maria, dando à luz Jesus que é nosso
Salvador e nossa vida, nos fez nascer a todos nós para a salvação e para a
vida.
Pela segunda vez Maria nos
gerou para a graça quando no Calvário ofereceu ao Eterno Pai, por entre muitos
sofrimentos, a vida de seu amado Filho pela nossa salvação. Porque ela então
cooperou com o seu amor para que os fiéis nascessem para a vida da graça, por
isso mesmo, segundo S. Agostinho, veio a ser Mãe espiritual de todos nós, que
somos membros da nossa cabeça, Jesus Cristo. Isto é precisamente o que se diz
da Bem-aventurada Virgem nos Sagrados Cânticos: “Eles (meus irmãos) me puseram
por guarda nas vinhas. Eu não guardei a minha vinha” (1, 5). Maria, para salvar
as nossas almas, sacrificou com amor a vida de seu Filho. Ou, como diz
Gulherme, abade: Imolou a sua alma para a salvação de muitas almas. E quem era a alma de Maria, senão o seu
Jesus, o qual era a sua vida e o seu amor? Por isso lhe anunciou Simeão que a
sua alma bendita havia de ser traspassada com uma espada (Lc 2, 36). Falou da
lança que traspassou o lado de Jesus, que era a alma de Maria. E então ela com
as suas dores nos proporcionou a vida eterna. Por isso
todos podemos chamar-nos filhos das dores de Maria.
Esta nossa amorosíssima Mãe
sempre esteve toda unida à vontade de Deus. Assim viu o quanto o Eterno Pai
amava os homens, observa S. Boaventura; conheceu também sua vontade de entregar
o próprio Filho à morte pela nossa salvação; soube do amor do Filho em querer
morrer por nós. Para conformar-se com este amor do Pai e do Filho para com o
gênero humano, ela também com toda a sua vontade ofereceu e consentiu que o seu
Filho morresse, a fim de que fôssemos salvos.
Verdade é que Jesus quis ser
o único a morrer pela redenção do gênero humano. “Eu calquei o lagar sozinho”
(Is 63, 3). Mas viu como Maria desejava ardentemente tomar parte na salvação
dos homens. Decidiu então que ela, com o sacrifício e a oferta da vida do seu
mesmo Jesus, cooperasse para nossa salvação, e deste modo viesse a ser Mãe de
nossas almas. E isto quis dizer o nosso Salvador, quando, antes de expirar,
olhando da cruz para sua Mãe e para o discípulo S. João, que estavam aos lados
dele, primeiramente disse a Maria: Eis o teu Filho! (Jo 19, 26). Queria dizer-lhe:
Eis aqui o homem que, pela oferta que fazes da minha vida pela sua salvação, já
nasce para a graça. E depois, voltando-se para o discípulo, lhe disse: Eis tua
Mãe! (Jo 19, 27). Com tais palavras, disse S. Bernardino de Sena, Maria foi
feita Mãe, não só de S. João, mas também de todos os homens, por causa do amor
que teve para com eles. No parecer de Silveira, é este o motivo por que S.
João, ao consignar a cena no seu Evangelho, escreve: Em seguida disse ao discípulo: Eis a tua Mãe! Note-se
que Jesus Cristo não disse isto a João, mas ao discípulo. Fê-lo para significar
que o Salvador nomeou Maria por Mãe
universal de todos aqueles que, sendo cristãos, têm o nome de seus
discípulos.
*Grifos meus.
(Livro: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório)
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