Virgen de las Cuevas, Francisco de Zurbarán (Museu de belas artes - Sevilla) |
Podemos porventura temer que
Maria desdenhe empenhar-se pelo pecador, por vê-lo tão carregado de pecados? Ou
acaso nos devem intimidar a majestade e a santidade desta grande Rainha? Não, diz o Papa S. Gregório; porque quanto
ela é mais excelsa e mais santa, tanto é mais doce e mais piedosa para com os
pecadores, que se querem emendar e a ela recorrem. A majestade dos reis e
das rainhas causa temor e faz com que os súditos temam chegar à presença deles.
Mas onde estão, pergunta S. Bernardo, os infelizes que podem ter medo de
apresentar-se a esta Rainha de Misericórdia? Nela nada há de terrível nem de
severo. É toda benigna e amável para os que a procuram. Maria não só dá quanto
lhe pedimos, mas ela mesma nos oferece a todos nós leite e lã. Leite de
misericórdia para animar-nos à confiança, e lã de refúgio para nos defender dos
raios da justiça divina.
Narra Suetônio, do imperador
Tito, que ele não sabia negar favor algum a quem lho pedia. Acontecia-lhe às
vezes prometer mais do que se podia esperar. Disto advertido, respondia que o
príncipe não devia deixar ir descontente nenhum daqueles que admitisse à sua
presença.
Tito assim o dizia; porém
muitas vezes ou mentia ou faltava à promessa. Nossa Rainha não pode,
entretanto, mentir; pode sim alcançar quanto quiser para os seus devotos. Tão
bom e compassivo lhe é o coração, que não deixa voltar de mãos vazias quem a
invoca, observa Landspérgio. Mas como podereis vós, ó Maria, lhe diz São
Bernardo, deixar de socorrer os infelizes, se vós sois a Rainha de
Misericórdia? E quem são os súditos da misericórdia, senão os miseráveis? Sois
a Rainha da misericórdia e eu entre os pecadores sou o mais miserável. Logo, se
eu, por ser o mais miserável, sou o maior dos vossos súditos, vós deveis ter
mais cuidado de mim que de todos os outros.
Tende, pois, piedade de nós,
ó Rainha de misericórdia, e cuidai em salvar-nos. Não digais, ó Virgem
Santíssima, parece acrescentar São Gregório de Nicomedia, que não vos é
possível socorrer-nos, por ser grande a multidão de nossos pecados. Pois não há
número de culpas que possa exceder ao vosso poder e amor. Tão grandes são eles!
Nada resiste ao vosso poder. Pois nosso comum Criador, honrando-vos como sua
Mãe, estima como sua a vossa glória. Alegra-se o Filho com vossa glorificação e
atende a vossos pedidos, como se estivera saldando uma dívida. Quer o Santo
dizer: Maria deve uma obrigação infinita ao Filho por havê-la destinado para
sua Mãe. Contudo não se pode negar que também o filho é muito obrigado a esta
Mãe, por lhe ter dado o ser humano. Por isso, estando agora na sua glória, como
em recompensa do que deve a Maria, Jesus a honra, especialmente ouvindo sempre
todos os seus rogos.
Quanta não deve ser, pois, a
nossa confiança nesta Rainha, sabendo nós quanto é ela poderosa perante Deus e
cheia de misericórdia para com os homens! Tão misericordiosa é Maria, que não
há na terra criatura que deixe de participar-lhe dos favores e das bondades.
Assim o revelou esta mesma Virgem amabilíssima a Santa Brígida. Eu sou – lhe disse,
- Rainha do céu e Mãe de Misericórdia; para os justos sou alegria e para os
pecadores sou a porta por onde entram para Deus. Não há no mundo pecador tão
perdido, que não participe de minha misericórdia; pois, por minha intercessão,
todos são menos tentados do que, aliás, haviam de ser. Nenhum deles, continuou
dizendo, a não ser o que de todo esteja repudiado por Deus (o que se deve
entender da última e irrevogável sentença sobre os réprobos), nenhum deles é
tão abandonado por Deus, que não consiga reconciliar-se com ele e conseguir
misericórdia, se implora a minha intercessão. Mãe de Misericórdia me chamam
todos. Em verdade, a misericórdia de Deus para com os homens me fez também tão
misericordiosa para com eles. Infeliz, portanto, conclui a Virgem, infeliz será
eternamente na outra vida, aquele que podendo nesta vida recorrer a mim, tão
compassiva com todos, não me invoca e se perde!
Recorramos, pois, e
recorramos sempre à proteção desta dulcíssima Rainha, se queremos seguramente
salvar-nos. Espanta e desanima-nos a vista de nossos pecados? Lembremo-nos
então de que Maria foi feita Rainha de Misericórdia, precisamente para com sua
proteção salvar os maiores e mais abandonados pecadores que a ela se
recomendam. Estes hão de ser a sua coroa no céu, como disse o seu divino
Esposo: “Vem do Líbano, esposa minha, vem do Líbano; serás coroada das cavernas
dos leões, dos montes dos leopardos” (Ct 4, 8). Quem são esses covis de feras e
de monstros, senão os pecadores? Suas almas realmente transformam-se em antros
de pecados que são os monstros mais disformes que se podem achar. Justamente
destes miseráveis pecadores, salvos por vosso intermédio, ó grande Rainha,
sereis coroada no paraíso, observa Roberto, abade. Pois a sua salvação, diz ele, será coroa vossa,
coroa bem digna e própria da Rainha de Misericórdia.
A propósito do exposto aqui,
leia-se o seguinte exemplo:
A Virgem Maria salva uma infeliz pecadora na hora da morte
Lê-se na vida de sóror
Catarina de S. Agostinho que havia, no lugar em que morava esta serva de Deus,
uma mulher chamada Maria. A infeliz levara uma vida de pecados durante a
mocidade. E já envelhecida, de tal forma se obstinara na sua perversidade, que
fora expulsa pelos habitantes da cidade, e obrigada a viver numa gruta
abandonada. Aí morreu finalmente, sem os sacramentos e sem a assistência de
ninguém. Sepultaram-na no campo como um bruto qualquer.
Sóror Catarina costumava
recomendar a Deus com grande devoção as almas de todos os falecidos. Mas, ao
saber da terrível morte da pobre velha, não cuidou de rezar por ela, pensando,
como todos os outros, que já estivesse condenada. Eis que, passados quatro
anos, em certo dia se lhe apresentou diante uma alma do purgatório, que lhe dizia:
- Sóror Catarina, que triste
sorte é a minha! Tu encomendas a Deus as almas de todos os que morrem e só da
minha alma não tens tido compaixão?
- Mas quem és tu? - disse a
serva de Deus.
- Eu sou, - respondeu ela, -
aquela pobre Maria, que morreu na gruta.
- E como te salvaste? -
replicou sóror Catarina.
- Sim, eu me salvei por
misericórdia da Virgem Maria.
- E como?
- Quando eu me vi próxima à
morte, estando juntamente tão cheia de pecados e desamparada de todos, me
voltei para a Mãe de Deus e lhe disse: Senhora, vós sois o refúgio dos
desamparados. Aqui estou neste estado abandonada por todos. Vós sois a minha
única esperança, só vós me podeis valer; tente piedade de mim. Então a Santíssima
Virgem obteve-me a graça de eu poder fazer um ato de contrição; depois morri e
fui salva. Além disso, esta minha Rainha alcançou-me a graça de ser abreviada
minha pena por sofrimentos mais intensos, porém menos demorados. Só necessito
de algumas missas para me livrar mais depressa do purgatório. Rogo-te que as
faças celebrar. Em troca prometo-te pedir sempre a Deus e à Santíssima Virgem
por ti.
Sóror Catarina logo fez
celebrar as missas. Depois de poucos dias lhe tornou a aparecer aquela alma
mais resplandecente do que o sol e lhe disse: Agora vou para o paraíso cantar
as misericórdias do Senhor e rogar por ti.
Oração
Ó Mãe de meu Deus e Senhora
minha, ó Maria, tal como se apresenta a uma excelsa soberana um pobre chagado e
repugnante, me apresento eu a vós, que sois a Rainha do céu e da terra.
Rogo-vos que lá do alto trono, em que estais sentada, vos digneis volver os
vossos olhos para este pobre pecador. Deus vos fez tão rica, a fim de
socorresdes aos pecadores; elegeu-vos Rainha para que compadecei-vos de minha
miséria. Olhai-me e não me abandoneis enquanto de pecador não me tiverdes
mudado um santo. Bem sei que nada mereço. Antes por minha ingratidão mereceria
ser privado de todas as graças que do Senhor recebi por vosso intermédio. Mas
vós, que sois Rainha de Misericórdia, buscais de preferência misérias e não
méritos para socorrer os necessitados. Ora, quem há mais necessitado e
miserável do que eu?
Ó Virgem excelsa, sei que
sois Rainha do universo e minha Rainha também. Quero, porém, de um modo mais
especial consagrar-me ao vosso serviço, para que disponhais de mim segundo
vosso beneplácito. Exclamo, pois, com S. Boaventura: Ó minha soberana, à vossa
soberania me entrego, para que domineis conforme vosso arbítrio sobre tudo
quanto tenho e sou; não me abandoneis. Governai-me, dai-me vossas ordens, de
mim desponde à vossa vontade. Castigai-me até, quando for desobediente, porque
muito salutares me serão os vossos castigos. Considero maior ventura ser um
vosso servo que ser senhor do universo. Sou vosso; salvai-me. Aceitai-me, ó
Maria, como vosso servo e cuidai da minha salvação. Já não quero pertencer-me a
mim mesmo; a vós me dou. E se em tantas ocasiões, quero para o futuro
associar-me a vossos mais devotados servos. Sim, ó amabilíssima Rainha, de hoje
em diante mais do que ninguém vos hei de amar e honrar. Assim o prometo e assim
espero executá-lo com o vosso auxílio. Amém.
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