A divina pastora - Miguel Cabrera |
Maria é, pois, Rainha. Mas
saibamos todos, para consolação nossa, que é uma Rainha cheia de doçura e de
clemência, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós pobres pecadores.
Quer por isso a Igreja a saudemos nesta oração com o nome de Rainha de
Misericórdia. O próprio nome de rainha, considera S. Alberto Magno, denota
piedade e providência para com os pobres, enquanto que o de imperatriz dá ares
de severidade e rigor. A magnificência dos reis e das rainhas consiste em
aliviar os desgraçados, diz Sêneca. Enquanto que os tiranos governam tendo em
vista apenas seu interesse pessoal, devem os reis procurar o bem de seus
vassalos. Por isso na sagração dos reis se lhes unge a testa com óleo. É o
símbolo da misericórdia e benignidade de que devem estar animados para com os
seus súditos.
Devem, pois, os reis
principalmente empregar-se nas obras de misericórdia, mas sem omitir, quando
necessária, a justiça para com os réus. Não assim Maria. Bem que seja Rainha,
não é rainha de justiça, zelosa do castigo dos malfeitores. É Rainha de
Misericórdia, inclinada só à piedade e ao perdão dos pecadores. Por
isso quer a Igreja que expressamente lhe chamemos Rainha de Misericórdia.
Eu ouvi – diz o Salmista –
estas duas coisas: que o poder é de Deus e que é vossa a misericórdia (Sl 61,
12, 13). Considerando o afamado chanceler de Paris, João Gerson, as palavras de
Davi, disse: Considerando o reino de Deus na justiça e na misericórdia, o
Senhor dividiu: o reinado da justiça reservou-o para si, e o reinado da
misericórdia o cedeu a Maria. E ainda o Senhor ordenou que pelas mãos de Maria
passariam, e a seu arbítrio seriam conferidas todas as misericórdias
dispensadas aos homens. Isto mesmo confirma um escritor no prefácio das
Epístolas Canônicas, escrevendo: Quando a
Santíssima Virgem concebeu o Divino Verbo e deu à luz, obteve metade do reino
de Deus: tornou-se Rainha de Misericórdia e Jesus ficou sendo Rei da Justiça.
O Eterno Pai constituiu
Jesus Cristo Rei de justiça e fê-lo por conseguinte Juiz universal do mundo.
Vem daí a exclamação do Salmista: Dai, ó Deus, ao rei a vossa equidade, e ao
filho do rei vossa justiça (Sl 71, 2). Pelo que diz um douto intérprete: Senhor,
destes a vosso Fiho a justiça, porque à Mãe do rei entregastes a misericórdia.
Aqui S. Boaventura tece belo comentário à citada passagem, dizendo: Dai, ó
Deus, vosso juízo ao Rei e vossa misericórdia à sua Mãe. Ernesto, Arcebispo de
Praga, também diz que o Eterno Pai deu ao Filho o ofício de julgar e punir, e à
Mãe o ofício de socorrer e aliviar os miseráveis. Por isso profetizou o mesmo
profeta Davi, que o próprio Deus (por assim dizer) consagrou Maria Rainha de
misericórdia, ungindo-a com óleo de alegria. “Por isso te ungiu o teu Deus com
o óleo da alegria” (Sl 44, 8). E isso para que todos nós, miseráveis filhos de
Adão, nos alegrássemos, considerando que temos no céu esta Rainha toda cheia de
unção, misericórdia e piedade para conosco, observa Conrado de Saxônia.
Muito bem aplica S. Alberto
Magno a este propósito a história da rainha Ester, que foi figura de Maria,
nossa Rainha. No cap. 4 do livro de Ester se lê que, reinando Assuero, saiu um
decreto condenando à morte todos os judeus. Então Mardoqueu, que era um dos
condenados à morte, recomendou a sua salvação a Ester. Pediu-lhe que
interpusesse o seu valimento junto ao rei, a fim de que revogasse a sentença.
Ao princípio Ester recusou fazer este favor, temendo irritar ainda mais
Assuero. Repreendeu-a Mardoqueu, mandando-lhe dizer que não pensasse só em
salvar-se a si, pois o Senhor a tinha posto sobre o trono para obter a salvação
de todos os judeus. “Não te persuadas de que, por isso que estás na casa do
rei, salvarás tu só a vida entre todos os judeus (Est 4, 13). Essas palavras de
Mardoqueu a Ester, nós, pobres pecadores, podemos repeti-las a Maria, nossa
Rainha, se ela em algum tempo se recusar alcançar-nos de Deus o perdão do
castigo, de nós bem merecido. Não cuideis, Senhora, que Deus vos elevou a ser
Rainha do mundo só para bem vosso. Se tão grande vos fez, é para que mais vos
compadecêsseis, e melhor pudésseis socorrer nossas misérias.
Assuero, quando viu Ester na
sua presença, lhe perguntou com agrado o que lhe vinha pedir: Qual é o teu
pedido? Respondeu-lhe a rainha: Meu rei, se em algum tempo achei graça aos teus
olhos, dá-me o meu povo, pelo qual te rogo (7, 3). E Assuero a ouviu e atendeu,
ordenando logo que se revogasse a sentença. Ora, se Assuero, por amor a Ester,
lhe concedeu a salvação dos judeus, como poderá Deus, cujo amor por Maria é sem
medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores, que a ela se
recomendam? Se em algum tempo achei graça aos teus olhos, dá-me o meu povo –
repete-lhe a Virgem Santíssima. Bem sabe a divina Mãe que é bendita e
bem-aventurada, que é a única entre as criaturas que achou graça perdida pelos
homens. Bem sabe que é a predileta de seu Senhor, por ele querida acima de
todos os anjos e santos. Se me amais, Senhor, - diz-lhe então – dai-me estes
pecadores pelos quais vos rogo. E é possível que o Senhor a deixe desatendida?
Quem ignora o poder das preces de Maria junto de Deus? A lei da clemência está
em sua língua, diz o Sábio (Pr 31, 26). Toda súplica sua é como uma lei
estabelecida pelo Senhor, para que se use de misericórdia com todos aqueles por
quem Maria interceder. O autor dos Sermões sobre a Salve Rainha indaga por que
motivo a Igreja intitula Maria Santíssima Rainha de Misericórdia. E responde:
Para que acreditemos que Maria abre o oceano imenso da misericórdia de Deus a
quem quer, quando quer, e como quer. Pelo que não há pecador, nem o maior de
todos, que se perca, se Maria o protege.
*Grifos meus.
(Livro: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório)
Comentários
Postar um comentário
Este blog é eminentemente de caráter religioso e comentários que ofendam os princípios da fé católica não serão admitidos. Ao comentar, tenha ciência de que os editores se garantem o direito de censurar.