“Tendo um mesmo decreto eterno decidido ao mesmo tempo a Encarnação e a Maternidade divina, o Christo e a Virgem são inseparáveis na obra da salvação”.
Padre Júlio Maria, Princípios da vida de intimidade com Maria
Santíssima
Convém notar com efeito que a intercessão da Santíssima
Virgem não é somente actual, sem antecedentes.
Sua parte na distribuição da graça é a consequência do
papel que ela teve em sua aquisição.
Não há senão um Mediador entre Deus e os homens, o
Christo Jesus.
Somente ele era capaz de uma reparação que igualasse á
ofensa, só ele podia, em rigor de justiça satisfazer e merecer pela humanidade
decahida. Mas esta ação principal não exclue de modo algum a ação universal de
Maria Santíssima.
O Salvador podia excluir todo e qualquer auxiliar. Não o
quis, porém; associou-se á Virgem Santíssima, sua Mãe, para completar a obra
redentora.
Dela ele quis receber a vida física e por ela quer ser
gerado nas almas, para que a Virgem Santíssima fosse ao mesmo tempo a Mãe de
seu corpo natural e de seu corpo místico.
É pois Maria Santíssima quem está encarregada de nos gerar
como irmãos de Jesus.
É de sua plenitude, depois da plenitude do Senhor, que
devemos ser enriquecidos. Daqui a proposição clássica que “todas as graças nos
vem por Maria”.
Falando do papel da mediação da Virgem Santa, em bom
número de autores encontram-se bastantes inexactidões e mais ainda
obscuridades; daí uma noção inexacta acerca da graça no espírito das almas
piedosas, assim também como de sua ação e do papel da Virgem Santa na
distribuição da mesma graça.
É por isso que quisemos tratar até o amago esta questão,
apresentando-a sob todas as formas, para faze-la brilhar com todo seu
esplendor, porque é ela sobretudo que nos mostra a grandeza da Imaculada e a
necessidade de recorrer a ela.
Na SS. Virgem há com efeito uma dupla grandeza: a de Mãe
de Deus; esta é o cume, é a que a aproxima de Deus. Mas há uma outra, derivada
desta primeira, que a aproxima de nós: é a plenitude de sua graça e por
conseguinte seu papel de mediação. Plena sibi, superplena nobis, dizem os
teólogos.
Convém notar bem: aqui é que se encontra precisamente o
ponto obscuro em certas obras de piedade: Maria não é Medianeira, senão porque
é Cheia de Graça.
Com efeito, pode-se conceber – e é o que fazem certas
almas – uma medianeira ou tesoureira independente do que ela trata ou
distribui.
Assim uma pessoa serve de intermediária entre dois
inimigos, para os reconciliar; ela mesma fica completamente fora do fato,
intervem, reconcilia, sem dar coisa alguma de si mesma, a não ser palavras de
paz, explicações amáveis.
Um tesoureiro, encarregado de dar esmola, tratar de
negócios ou de pagar contas, tira do cofre de seu patrão, sem dispender do que
é seu. Ele também permanece fora do negócio que faz.
E quantas vezes já não se representou a Santíssima Virgem
sob este aspecto? Não a consideram muitas vezes como uma simples intermediária
– como tesoureira das misericórdias divinas, - colocando-a fora do fato... e
não permitindo a sua intervenção nesta obra de reconciliação e de perdão senão
como uma simples “empregada” ?
Ora, nada de mais falso e desastroso á verdadeira devoção
para com a digna Mãe de Deus e dos homens.
Pensando bem, ver-se-ia que esta maneira de encarar o
papel da SS. Virgem é soberanamente injurioso ao Salvador, rebaixa a Santíssima
Virgem em vez de engrandece-la, e está em pleno desacordo com a sã teologia e a
doutrina da Igreja.
Deus em suas obras nada faz de incompleto, nem por
intervalos.
Sua sabedoria as concebe e realiza em uma unidade
magnífica de plano, onde todas as partes se harmonizam desde o princípio até o
fim: Atingens a fine usque ad finem.
Já que, entretanto, ele quis servir-se de Maria na obra
da Redenção, é necessário que ele continue associando-a a si em todas as
aplicações desta obra, das quaes a maior e a mais importante, é a comunicação
da graça.
Esta estreita e falsa concepção, que admite o Filho de
Deus, nascido da Santíssima Virgem, e rejeita em seguida a mesma Virgem que lhe
deu á luz, é herética, mas a Igreja Católica, guarda da verdade, proclama bem
alto e repete em todos os tons que toda a série dos mistérios do Christo em
parte alguma o Homem-novo, o Adão Celeste, está sem a mulher, nem a mulher sem
o Homem.
É para faze-lo sobressair claramente que a Igreja chama a
SS. Virgem: Mãe dos homens, Co-redemptora, Medianeira, Thesoureira e
distribuidora das graças.
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