Padre Júlio Maria, Princípios da vida de intimidade com Maria
Santíssima
Antes de contemplar em todo o esplendor esta inefável
acumulação de graças que se chama “a plenitude de Maria”, não será inútil dar
algumas explicações gerais sobre a graça e as diversas plenitudes que os teólogos
distinguem.
A graça, em geral, é uma participação á natureza divina.
Esta é a definição do Apóstolo São Pedro.
Esta graça é dupla: - 1 Santificante, ou princípio de
vida que nos torna capazes de fazer atos meritórios, 2 – Atual, ou ação de Deus, pondo em
movimento nossas faculdades.
Indicamos precedentemente o papel da graça atual.
Limitemo-nos aqui á graça santificante.
Que é a graça santificante?...
A teologia nos diz que é uma qualidade que dá á alma sua
beleza, seu valor, seu encanto para agradar a Deus e ser dele amada.
Tão bela é uma alma em estado de graça e tão bela que é
impossível a Deus não se dar a Ela.
É por isso que alguns santos comparam-na á veste nupcial,
que torna a alma digna de se assentar ao banquete do Cordeiro, e sem a qual não
é permitido entrar na sala do festim.
A graça nos merece, pois, a eterna possessão de Deus.
Algumas graças tem por objeto santificar-nos e nos unir a
Deus: dá-se-lhes o nome de “gratia gratum
faciens”, para distingui-las de outra que tem por fim procurar o bem do
próximo: são as graças gratuitas “gratia grátis data”.
A primeira embeleza nossa alma, nos torna amigos de Deus,
nos faz agradáveis a ele; donde lhe vem o nome: graça que torna agradável, “gratum faciens”.
A segunda, pelo contrário, não nos torna necessariamente
amigos de Deus; por si mesma não basta para nos santificar, porque o seu papel
é exterior, social: tais são as graças ou os dons de profecia, das línguas, das
curas, dos milagres. Seu fim é o bem das almas e a utilidade da Igreja.
A graça que torna agradável ainda se divide em atual e
habitual.
A primeira é um socorro transitório, uma iluminação
sobrenatural para a inteligência, um impulso súbito da vontade, que prepara e
dispõe para a salvação.
A segunda está habitualmente inclinada sobre nossa alma
para conservar-lhe o calor e a vida, dando-lhe um ser novo e permanente, que é
um nascimento para a vida divina.
A graça atual é Deus que passa, nos une a Ele e nos
santifica por este contato.
A graça habitual é Deus que permanece e nos faz sentir o
toque do Espírito Santo.
Comprehende-se que esta graça pode ser plenária ou
parcial.
É parcial, para cada um de nós.
Ela só foi plenária para Jesus Christo e para sua divina
Mãe, conforme explicaremos aqui.
Esta graça plenária ou plenitude das graças “gratia plena”
se divide em plenitude absoluta, plenitude de suficiência, plenitude de superabundância
e plenitude de universalidade.
A plenitude absoluta não existe e nem pode existir sinão
em Jesus Christo, pois somente Ele pode possuir a graça em toda a excelência e
toda intensidade possíveis.
Só ele toca, pela união hypostática, á fonte infinita das
graças, á divindade; e como é impossível estar mais perto de Deus do que Ele,
não se poderá conceber uma graça mais profunda e mais extensa do que a sua. É a
plenitude absoluta, sem limites, até ao último grau, em uma palavra, é o
infinito.
A plenitude de suficiência é a que torna os justos
capazes de fazerem atos meritórios e alcançarem o termo de salvação: é a
plenitude comum a todos os santos.
A plenitude de superabundância, já o podemos adivinhar, é
o privilégio especial de Maria. É o que derrama sobre os homens, como um
reservatório muito cheio.
A plenitude de universalidade: - são ao mesmo tempo
privilégios e dons que foram e serão concedidos á Igreja, em toda a duração de
sua existência.
Não há nenhuma graça que a Igreja, considerada em toda
sua totalidade e na duração de sua existência, não possa e não deva possuir.
Ora, esta plenitude convém também á Maria, conforme este
princípio teológico que “todo favor, toda graça de que gozou qualquer dos
Santos, foi mais nobre e perfeitamente concedido á Maria, Mãe de Deus”.
A fonte, o rio e os regatos tem sua plenitude, mas cada
qual de um modo diferente; assim também Jesus
Christo, a Santíssima Virgem e os
Santos.
Jesus é a plenitude da fonte, pois ele é o Oceano, sem
limites e insondável onde se pode haurir sempre as aguas da misericórdia
divina, sem que estas se exgotem jamais.
Os santos tem a plenitude dos regatos, correm mais ou
menos largos, mais ou menos profundos, porém sempre limitados.
Maria possui a plenitude do rio, rio majestoso e
transbordante, que faz chegar até nós as ondas do vasto oceano, que é Jesus
Christo.
As precedentes explicações far-nos-ão compreender agora
em toda sua extensão os princípios relativos á plenitude de graça da Virgem
Imaculada.
A Bula “Ineffabilis” resumindo em duas palavras todas as
graças da Mãe de Jesus, diz que é uma “plenitude de santidade e de inocência”.
Em Jesus Christo a plenitude de santidade é absoluta,
pertence-lhe por direito, tão perfeita desde a origem que ela não conhecerá
progresso. Mas Ele quer, por sua graça e de um modo particular, associar Maria
a este mysterio de plenitude.
Com relação á Maria Sma. Pode-se dizer que a plenitude é
seu característico.
A graça é uma divina capacidade de receber em si a
Santíssima Trindade.
A uma plenitude de graça está ligada para Maria uma
plenitude á parte, de habitação de Deus nela.
A criatura que conterá Aquele que os mundos não podem
conter, é por conseguinte inteiramente habitada por Deus, como jamais o serão
os templos mais santos, quer dizer, como jamais o serão os santos e os anjos.
Quanto á plenitude de inocência, assinalada ainda pela
Bula “Ineffabilis”, quem nos dirá as incalculáveis consequências que dela
dimanam? – Praeter Deus nemo assequi
cogitandi potest”.
A plenitude de inocência é a imunidade absoluta do pecado
e de tudo o que inclina ao pecado.
Donde se segue que em Maria jamais houve a menor falta,
mesmo a mais ligeira; nada do fogo das concupiscencias, pois a graça apagou
nela todo o fogo da cubiça “fames peccati”,
como diz a teologia.
A plenitude de santidade e de inocência são os dois
traços prinpipais da alma da Sma. Virgem. Todavia isto não é tudo.
Ao mesmo tempo a Bula nos diz ainda que a Virgem
Imaculada foi repleta acima de todos os anjos de “toda a abundancia de todos os
dons depositados nos tesouros da divindade”. Omnium charismatum copia de thesauris divinitatis deprompta.
E como a plenitude de Deus e da graça teria podido tardar
a se resolver em luz e em amor?...
Primeiramente, plenitude de luz, de luz infusa,
permitindo á alma de Maria corresponder prontamente ao amor único de um Deus
que fez Maria para si.
A Mãe da Luz devia receber vistas perfeitas e profundas,
para que ela pudesse amar como via.
Talvez não lhe dará Deus, a não ser em certos momentos
excepcionais a visão intuitiva, pois Maria, sobre a terra, está pura e
simplesmente no tempo da provação, enquanto que Jesus durante sua vida mortal
está ao mesmo tempo no céu e na via,
mas Ele dá uma ciência infusa que preludia e se assemelha á de Jesus.
A plenitude de luz, como de graça e de inocência, é feita
para se desenvolver logo em caridade e na plenitude do amor.
Desde muito tempo Deus espera o mais perfeito e fiel amor!
Ei-lo, - este amor... esta plenitude de amor. Deus é
amado enfim, como Ele o merece, e não há uma criatura que pode dizer com toda
verdade: Dilectus meus mihi et ego illi.
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