Oh! Quanto desagrada ao demônio a perseverante devoção de
uma alma à Mãe de Deus! Afonso Álvarez, muito devoto de Maria, foi atormentado
pelo demônio com violentas tentações impuras, uma vez que estava rezando. Deixa
essa tua devoção para com Maria, disse- lhe o inimigo, que eu deixarei de
tentar-te. Foi revelado a S. Catarina de Sena, como atesta Luís Blósio, que Deus concedera a Maria, em consideração a
seu unigênito, a graça de não cair presa do inferno pecador algum que a ela se
recomendar devotamente. O próprio profeta Davi pedia já ao Senhor que o
livrasse pelo amor que tinha à honra de Maria: Senhor, eu amei o decoro da
vossa casa...; não percais com os ímpios a minha alma (SI 25, 8).
Diz “vossa casa”, porque Maria foi certamente aquela casa
que o próprio Deus se preparou na terra para sua habitação, e onde ao fazer-se
homem achou seu repouso. Assim está escrito nos Provérbios (9,1): A sabedoria
edificou para si uma casa. — Não se perderá certamente, dizia o Pseudo-Inácio,
mártir, quem é fiel na devoção a essa Virgem Mãe. E isso confirma S. Boaventura
com as palavras: Senhora, os que vos
amam gozam grande paz nesta vida, e na outra não verão a morte eterna.
Nunca sucedeu, nem sucederá, assegura-nos o piedoso Blósio, que um humilde e
diligente servo de Maria se perca eternamente.
Oh! quantos permaneceriam
obstinados e se condenariam para sempre, se não se houvesse Maria empenhado
junto ao Filho para usar de misericórdia em favor deles! Eis como exclama
Tomás de Kempis. A muitas pessoas mortas em pecado mortal alcançou de Deus a
divina Mãe suspensão da sentença, e vida para fazerem penitência. Assim opinam
muitos teólogos e especialmente S. Tomás. Disso referem graves autores muitos
exemplos. Entre outros, Flodoardo, que viveu no século IX, fala em sua Crônica
de um certo diácono Adelmano de Verdun, que, tido já por morto e prestes a ser
sepultado, volveu à vida e disse ter visto o lugar do inferno ao qual já estava
condenado. Obtivera-lhe, porém, a Santíssima Virgem, a graça de voltar ao mundo
e fazer penitência. Caso idêntico refere Súrio de um cristão romano, por nome
André. Tendo morrido na impenitência, alcançara-lhe Maria a graça de voltar ao
mundo para ganhar o perdão de seus pecados.
Estes e outros exemplos, entretanto, não devem servir
para autorizar a temeridade dos que vivem em pecado, confiados de que Maria os
haja de livrar do inferno, ainda que morram impenitentes. Rematada loucura
fora, certamente, lançar-se alguém para dentro de um poço, na esperança de
ver-se livre da morte, porque Maria em caso semelhante já preservou a outros.
Muito maior loucura seria, entretanto, arriscar-se alguém a morrer no pecado,
presumindo que a Santíssima Virgem o preservará do inferno.
Sirvam tais exemplos para reanimar a nossa confiança, ao
considerarmos que a intercessão de Maria é de tal poder que livra do inferno
até aos que morrem em pecado mortal. Quanto maior não será então ele, para
impedir que se perca quem nesta vida a ela recorre com intenção de emendar-se e
é fiel em a servir! Digamos-lhe, pois, com S. Germano: Ó nossa Mãe, que será de nós que somos pecadores, mas nos queremos
emendar e recorremos a vós, que sois a vida dos cristãos? Ouvimos S.
Anselmo garantir, ó Senhora, que não se
perderá eterna mente todo aquele por quem orais uma só vez. Rogai por nós,
então, e seremos salvos do inferno.
Quem ousará dizer-me,
escreve Ricardo de S. Vítor, que Deus não me será propício no dia do juízo, se
estiverdes ao meu lado, ó Mãe de Misericórdia? — O Beato Henrique Suso
protestava que às mãos de Maria havia confiado sua alma. Se o juiz tivesse de
condená-lo, queria que passasse a sentença pelas mãos misericordiosas da Virgem
porque, como esperava, nesse caso ficaria suspensa a execução. O mesmo digo e
espero para mim, ó minha Santíssima Rainha. Por isso quero repetir continuamente
com S. Boaventura: Em vós, Senhora, pus
toda a minha esperança, por isso seguramente espero não me ver perdido, mas
salvo no céu para louvar-vos e amar-vos para sempre.
Exemplo
Pelo ano de 1604 viviam numa cidade de Flandres dois jovens
estudantes, que, desleixando dos estudos, se entregavam a orgias e devassidões.
Uma noite entre outras foram a certa casa de tolerância. Um deles, chamado
Ricardo, depois de algum tempo, retirou-se para casa, e o outro ficou. Chegando
Ricardo a casa, estava para acomodar-se, quando se lembrou que não havia rezado
umas Ave-Marias, como era de seu costume fazê-lo em honra da Santíssima Virgem.
Acabrunhado pelo sono, sem nenhuma vontade para rezar, fez, contudo, um esforço
e rezou as Ave-Marias, embora sem devoção e por entre bocejos de sono.
Deitou-se depois e adormeceu. Mas não tardou a ouvir bater à porta com muita
força. E imediatamente, sem ele a abrir, vê diante de si seu companheiro de
farras, mas desfigurado e medonho.
Quem és tu? — perguntou aterrorizado.
Tu não me conheces? — respondeu o outro.
Mas como te mudaste tanto? tu pareces um demônio.
Ai, pobre de mim! — exclamou aquele infeliz, — que, ao sair
daquela casa infame, veio um demônio e me sufocou. O meu corpo ficou no meio da
rua, e a minha alma está no inferno. Sabes, pois, acrescentou, que o mesmo
castigo te tocava também a ti. Mas a bem-aventurada Virgem, pelo teu pequeno
obséquio das Ave-Marias, te livrou dele. Ditoso de ti, se tu souberes
aproveitar deste aviso, que a Mãe de Deus te manda por mim. Depois destas
palavras, o condenado entreabriu a capa e mostrou as chamas e as serpentes que
o atormentavam e desapareceu. Então Ricardo, chorando copiosamente, com o rosto
em terra, deu graças a Maria, sua libertadora. Enquanto pensava como mudar de
vida, ouviu tocar Matinas no convento dos franciscanos. Logo pensou: É aí que
Deus me quer para fazer penitência. E foi pedir aos frades que o recebessem.
Cientes de sua má vida, não queriam eles aceitá-lo. Contou-lhes então entre
lágrimas o que havia acontecido. Dois religiosos foram à rua indicada, achando
efetivamente o cadáver do companheiro, sufocado e negro como um carvão. Depois
disso foi Ricardo admitido e levou uma vida penitente e exemplar. Mais tarde
foi como missionário pregar nas índias e em seguida no Japão, onde teve
finalmente a graça de morrer mártir, queimado vivo por amor de Jesus Cristo.
Oração
Ó Maria, ó Mãe caríssima, em que abismo de males me havia de achar, se
não me tivésseis salvado tantas vezes com vossas mãos piedosíssimas? Há quantos
anos estaria no inferno, se vossa poderosa intercessão dele não me houvesse
preservado? Para lá me impeliram meus gravíssimos pecados; a justiça divina já
me havia condenado; os demônios bramiam, procurando executar a sentença. Vós,
porém, correstes sem eu vos chamar, sem vo-lo pedir, me salvastes. Ó minha
querida libertadora, gue vos darei eu por tantas graças e por tanto amor?
Vencestes a dureza do meu coração e me levastes a amar-vos e a confiar em vós.
Ai! em que abismo de males teria caído mais tarde, se com vossa mão piedosa não
me tivésseis auxiliado tantas vezes nos perigos em que tenho estado próximo a
cair! Continuai a livrar-me do inferno e primeiramente do pecado que para lá me
pode levar. Não permitais que haja de amaldiçoar-vos no inferno. Ó Senhora
minha diletíssima, eu vos amo. Será possível que vossa bondade sofra que um
servo vosso, que vos ama, seja condenado? Ah! obtende-me a graça de não ser
mais ingrato para convosco, nem para com meu Deus, que por amor vosso tantas
graças me tem dispensado. Ó Maria, que dizeis? Será possível que eu venha a me
condenar? Condenar-me-ei se vos abandonar. Mas como terei jamais a presunção de
abandonar-vos? Como poderei esquecer vosso amor para comigo? Sois, depois de
Deus, o amor de minha alma. Eu não quero viver mais sem amar- vos. Eu hei de
vos querer bem, eu vos amo e espero que sempre vos hei de amar, no tempo e na
eternidade, ó criatura a mais bela, a
mais santa, a mais doce, a mais amável deste mundo. Amém!
(Glórias de Maria – Santo Afonso Maria de Ligório)
*Grifos meus.
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