É certo, em suma, que não há criatura alguma que obter nos
possa tantas misericórdias, como esta boa advogada. Não só Deus a honra como
sua serva dileta, mas sobretudo como sua verdadeira Mãe, diz Guilherme de
Paris: Uma só palavra de seus lábios é
quanto basta para o Filho atendê-la.
À Esposa dos Cânticos, figura da Virgem Maria, diz o Senhor:
“O tu que habitas nos jardins, os teus amigos estão atentos: Faze-me ouvir a
tua voz” (8, 13). São os santos esses amigos; quando pedem alguma graça para
seus devotos, esperam obtê-la pela intercessão da sua Rainha. Pois, conforme o
demonstramos no capítulo V, graça nenhuma é dispensada sem a intercessão de
Maria. E como a obtém Maria? Uma palavra é o quanto basta ao Filho. “Faze-me
ouvir a tua voz!” É bem acertado o comentário de Guilherme de Paris à
mencionada passagem dos Cânticos. Imagina-se ele o Filho, dizendo à sua Mãe: Ó tu que habitas nos jardins celestes, pede
com toda a confiança; pois esquecer não posso que sou teu Filho e que nada devo
recusar à minha Mãe. Basta-me ouvir tua voz; para o Filho é o mesmo te ouvir
como te atender.
Ainda que Maria alcance as graças rogando, contudo ela roga
com certo império de Mãe. Portanto, devemos estar firmemente convictos de que
tudo alcança quanto pede e deseja para nós, observa Godofredo, abade. Tendo
Coriolano sitiado Roma, sua cidade natal, nem todos os rogos de seus
concidadãos e amigos conseguiram demovê-lo à retirada. Mas, assim que viu a
seus pés sua Mãe Vetúria, relata Valério Máximo, não pôde resistir e levantou o
cerco. Mas tanto mais poderosas que as de Vetúria são as súplicas de Maria
junto a Jesus, quanto mais gratos e amoroso é esse divino Filho para com sua
cara Mãe. Mais vale perante Deus um
único suspiro de Maria, que as orações de todos os santos reunidos, escreve
o dominicano Justino Micoviense. O próprio demônio esconjurado por S. Domingos
o confessava, por boca de um possesso, segundo narra Pacciucchelli.
Na opinião de S. Antonino, as preces de Maria, como rogos de
Mãe, têm o efeito de uma ordem, sendo impossível que fiquem desatendidas. Por
esta razão S. Germano , animando os pecadores para que a ela se encomendem,
assim lhes fala: Vós tendes, ó Maria, para com Deus autoridade de Mãe e por
isso alcançais também o perdão aos mais abjetos pecadores. Em tudo
reconhece-vos o Senhor por sua verdadeira Mãe e não pode deixar de atender a
cada desejo vosso. Ouviu S. Brígida como
os santos do céu diziam à Virgem: Bendita Senhora, o que há que vos não seja
possível? Tudo quanto quereis, se faz. Com o que condiz o célebre verso:
O que Deus pode,
mandando,
Virgem, o podeis,
rogando.
E, porventura, não é coisa digna da benignidade do Senhor
zelar com tanto empenho a honra de sua Mãe? Não protestou ele mesmo ter vindo à
terra não para abolir, senão para observar a lei? Mas, entre outras coisas, não
manda essa lei honrar os pais? S. Jorge, Arcebispo de Nicomedia, acrescenta que
Jesus Cristo atende a todos os pedidos de sua Mãe, como que para saldar uma
dívida para com ela, que consentiu em lhe dar o ser humano. Eis aí a origem da
exclamação do Pseudo-Metódio, mártir: Alegrai-vos,
ó Maria, a vós coube a dita de ter por devedor aquele Filho que a todos dá, e
de ninguém recebe. Somos todos devedores a Deus de quanto possuímos, pois
que tudo são dons de sua bondade. Só de vós quis o próprio Deus tornar-se
devedor, encarnando-se em vosso seio fazendo-se homem. – Maria mereceu dar um
corpo humano ao Divino Verbo, desse modo apresentando o preço de redenção para
nossas almas. Por isso mais que todas as criaturas é ela poderosa para nos
ajudar e obter a salvação eterna. Sob o nome de Teófilo, Bispo de Alexandria,
deixou-nos um escritor o seguinte pensamento: O Filho estima que sua Mãe lhe peça, porque quer conceder-lhe todas as
graças, em recompensa do favor que ela lhe fez dando-lhe o ser humano.
Dirige, por isso, S. João Damasceno estas palavras à Virgem: Sendo Mãe de Deus,
ó Maria, a todos podeis salvar por vossa intercessão, a qual a autoridade de
Mãe faz poderosa.
A consideração do grande e divino benefício, pelo qual temos
Maria por advogada, leva S. Boaventura a exclamar, e com ele terminamos: Ó
bondade certamente imensa e admirável de nosso Deus! A vós, Senhora, quis ele
nos dar por advogada para que, a vosso
arbítrio, tudo nos obtivesse vossa poderosa intercessão. Ó grande misericórdia
do Senhor! Sua própria Mãe, Senhora da graça, no-la deu por advogada, a fim de
que não fugíssemos com receio da sentença que sobre nós há de pronunciar um
dia.
Exemplo
Vivia na Alemanha um senhor, que tendo caído num pecado
mortal, não era capaz de resolver-se à confissão, preso por falsa vergonha.
Intoleráveis se lhe tornaram por fim os remorsos e o infeliz andava com a
sinistra intenção de atirar-se à água. Não executor, por felicidade, seu
intento, mas entre lágrimas pedia a Deus que lhe perdoasse o referido pecado,
mesmo sem confissão. Numa noite, pareceu-lhe que alguém o tocava no ombro e lhe
dizia: Vai confessar-te! De fato, foi ele à Igreja, mas não se confessou. Numa
outra noite torna a ouvir a mesma exortação. Indo novamente à Igreja, disse:
Prefiro morrer a confessar meu pecado. Contudo, antes de voltar para casa,
pôs-se a rezar diante de uma imagem da Mãe de Deus. Eis que, em se ajoelhando,
logo se lhe mudaram os sentimentos. Levantou-se e procurou imediatamente um
confessor. Fez em seguida uma sincera e contrita confissão e agradeceu a Maria
grande favor que lhe dispensara. Sentiu-se depois mais feliz do que se tivera
em mãos os tesouros do mundo.
Oração
Falai, ó minha Senhora – dir-vos-ei com S. Bernardo, falais, porque
vosso divino Filho vos escuta, e tudo o que lhe pedirdes vo-lo concederá. Ó Maria,
advogada nossa, falai então em favor dos miseráveis pecadores. Lembrai-vos de
que é para nossa felicidade também que recebestes de Deus tão grande poder e
dignidade. Se um Deus se dignou fazer-se vosso devedor pela natureza humana que
de vós assumiu, é para que possais a vosso grado dispensar aos miseráveis os
tesouros da divina misericórdia. Vossos servos somos, dedicados de modo
especial a vosso serviço, e nos gloriamos de viver sob vossa proteção. Se
fazeis bem a todos os homens, ainda aos que não vos conhecem ou honram, e atém
aos que vos ultrajam e blasfemam, que não devemos esperar de vossa benignidade
que busca os miseráveis para os socorrer, nós que vos honramos, amamos e
confiamos em vós?
Grandes pecadores nós somos, porém Deus vos deu misericórdia e poder
que ultrapassam nossas iniquidades. Quereis e podeis salvar-nos; e nós tanto
mais queremos esperar nossa salvação, quanto mais indignos dela somos, para
mais vos glorificar no céu, quando lá entrarmos por vossa intercessão. Ó Mãe de
Misericórdia, nós vos apresentamos nossas almas, outrora aformoseadas e lavadas
pelo Sangue de Jesus Cristo, mas depois enegrecidas pelo pecado. Nós vo-las
oferecemos; purificai-as. Alcançai-nos uma sincera conversão, o amor de Deus, a
perseverança, o paraíso. Grandes favores vos pedimos; mas não podeis obter
tudo? Seria muito para o amor que Deus vos tem? Bastante vos é abrir a boca e
implorar vosso Filho: ele nada vos recusa. Rogai, pois, ó Maria, rogai por nós;
intercedei por nós e sereis atendida e nós seremos salvos com certeza.
(Glórias de Maria – Santo Afonso Maria de Ligório)
*Grifos meus
Comentários
Postar um comentário
Este blog é eminentemente de caráter religioso e comentários que ofendam os princípios da fé católica não serão admitidos. Ao comentar, tenha ciência de que os editores se garantem o direito de censurar.