Mas, replica o citado autor moderno (Muratori), se todas as
graças passam por Maria, a ela hão de recorrer os santos que invocamos, a fim
de nos obterem as graças que lhes pedimos. Mas isto, diz ele, ninguém crê, nem
o sonhou. Enquanto a crê-lo, respondo que nisso não pode haver erro, ou
incoveniente algum. Para honrar a Mãe, constituiu-a Deus Rainha dos santos e
quer que por suas mãos sejam dispensadas todas as graças. Que incoveniente
então pode haver que também os santos a ela se dirijam para obtenção das graças
solicitadas por seus devotos? Enquanto a dizer que isso ninguém o sonhou, eu
acho que tal asseveram explicitamente S. Bernardo, S. Anselmo, o Padre Suárez e
outros mais. Em vão pedir-se-iam graças
aos santos, se Maria não se empenhasse em obtê-las, diz S. Bernardo.
Um escritor interpreta no mesmo sentido as palavras do Salmo
(44, 13): Todos os ricos do povo
suplicarão teu olhar. Os ricos dos grande povo de Deus, diz ele, são os
santos. Quando querem obter qualquer graça a algum de seus devotos, se
encomendam a Maria para que ela as obtenha. Com razão, portanto, pedimos aos
santos que sejam nossos intercessores junto a Maria, que lhes é Rainha e
Senhora, diz o Padre Suárez.
Justamente isso, como relata o padre Marchese, prometeu S.
Bento a S. Francisca Romana. Aparecendo-lhe um dia, prometeu-lhe que a
protegeria sempre como advogado junto à Mãe de Deus. Com o exposto concordam as
palavras de S. Anselmo: Senhora, o que a
intercessão de todos os santos pode obter unida convosco, pode obtê-lo a vossa
sozinha sem o auxilio deles. E por que é assim tão grande vosso poder? Pergunta
o Santo. Porque sois a Mãe de nosso Salvador, a Esposa de Deus, a Rainha do céu
e da terra. Santo algum pedirá por nós e nos ajudará, se não falais em
nosso favor. Mas no que o dignardes fazer, empenhar-se-ão todos os santos em
pedir por nós e nos socorrer.
As palavras do Eclesiástico (24, 8): “Eu sozinha rodeei o
giro do céu” – são aplicadas a Maria pela Igreja, e Ségneri assim as comenta: Assim como a primeira esfera com o seu
movimento faz que todas as outras esferas se movam, assim também o paraíso
inteiro reza com Maria, até que a Virgem, como Rainha, ordena aos anjos e
santos que a acompanhem, e junto com ela dirijam suas preces ao Altíssimo.
Entendemos assim finalmente o motivos por que a Santa Igreja
nos manda invocar e saudar a Divina Mãe com o grande título de “Esperança nossa”.
Afirmava o ímpio Lutero não poder suportar que a Igreja Romana chamasse Maria,
uma criatura, nossa esperança. Que só Deus e Jesus Cristo, como nosso
medianeiro, são nossa esperança; que, ao contrário, Deus amaldiçoa a quem põe
sua esperança nas criaturas – era o que o herege dizia. Mas a Igreja ensina-nos
a invocar constantemente Maria e a saudá-la como nossa esperança. Aquele que
põe sua esperança na criatura, independentemente de Deus, é sem dúvida
amaldiçoado pelo Senhor. Pois tão somente ele é a única fonte e distribuidor de
todo o bem. Sem ele nada tem e nada pode dar a criatura. Mas, como temos
provado, conforme a determinação de Deus, todas as graças devem chegar até nós
por meio de Maria, como por um canal de misericórdia. Por conseguinte, não só
podemos como devemos confessar que ela é nossa esperança, porquanto recebemos
as graças por seu intermédio. Daí o título que lhe dá S. Bernardo “de toda a
razão de sua esperança”. O mesmo diz S. Damasceno dirigindo-se à Santíssima
Virgem com estas palavras: Em vós, Senhora, tendo colocado toda a minha
esperança e de vós espero minha salvação. Também S. Tomás sustenta que Maria é
toda a esperança de nossa salvação. Virgem
Santíssima, exclama S. Efrém, acolhei-nos sob a vossa proteção se salvos nos
quereis ver; pois só por vosso intermédio esperamos a salvação.
Concluamos então com as palavras de S. Bernardo: Procuremos
venerar com todos os afetos do coração Maria, Mãe de Deus, porque é vontade do
Senhor que de suas mãos recebamos todos os bens da graça. Sempre, portanto, que
desejarmos ou solicitarmos uma graça, tratemos, segundo o conselho do Santo, de
recomendar-nos a Maria e tenhamos confiança de obtê-la por sua intercessão. E
continua ele: Se tu não mereces a graça
solicitada, bem a merece Maria, que por ela se empenhará. Pelo que também nos aconselha que
recomendemos a Maria todas as boas obras e orações que oferecemos a Deus, se
queremos que ele as aceite.
Exemplo
É célebre a história de Teófilo, escrita pelo clérigo
Eutiquiano de Constantinopla, como testemunha ocular que foi do fato que passo
a relatar. Segundo o padre Crasset, confirmam-o S. Pedro Damião, S. Bernardo,
S. Boaventura. S. Antonino e outros.
Era Teófilo arcediago da Igreja de Adanas, na Cilícia. Tanto
o estimava o povo que o quis para bispo, dignidade que ele por humildade
recusou. Caluniado, porém, por alguns malvados, e por isso destituído de seu
cargo, ficou de tal maneira desgostoso, que, fora de si pela paixão, se foi
valer do auxílio de um mágico judeu. Pô-lo este em comunicação com o demônio, o
qual prometeu a Teófico auxiliá-lo, mas sob a condição de assinar ele, de
próprio punho, um papel pelo qual renunciava a Jesus e Maria, sua Mãe. Acedeu
Teófilo e assinou a execranda renúncia. No dia seguinte o bispo reconheceu a
falsidade das acusações contra Teófilo e pediu-lhe perdão, restituindo-lhe o
cargo que ocupara. Mas o infeliz chorava sem cessar, tendo a consciência
dilacerada de remorso pelo enorme pecado que havia feito. Finalmente, vai à
Igreja, ajoelha-se diante da imagem de Maria e lhe diz: Ó Mãe de Deus, não
quero desesperar; ainda vós me restais, vós que sois tão compassiva e poderosa
para me ajudar. Durante quarenta dias viveu chorando e invocando a Santíssima
Virgem. Uma noite apareceu-lhe a Mãe de misericórdia e disse-lhe: Que fizeste,
Teófilo? Renunciaste à minha amizade e à de meu Filho e te entregaste àquele
que é teu e meu inimigo! Senhora, respondeu Teófilo, haveis de me perdoar e de
me ober o perdão de vosso Filho.
Vendo Maria tão grande confiança, acrescentou: Consolate, que vou rogar a Deus por ti.
Reanimado, redobrou Teófilo as lágrimas, as preces e as penitências,
conservando-se sempre aos pés da imagem de Maria. Reapareceu-lhe a Mãe de Deus e amavelmente lhe diz: Teófilo, enche-te
de consolação. Apresentei a Deus tuas lágrimas e orações; de hoje em diante
guarda-lhe gratidão e fidelidade. Senhora minha, replicou o infeliz, ainda
não estou plenamente consolado; ainda conserva o demônio o ímpio documento em
que renunciei a vós e a vosso Filho; podeis fazer que mo restitua. E eis que
três dias depois, acordando Teófilo à noite, achou sobre o peito o referido
documento. No dia seguinte foi à Igreja e ajoelhando-se aos pés do bispo que
justamente oficiava, contou-lhe por entre soluços tudo quanto havia acontecido.
Entregou-lhe o ímpio documento, que o bispo fez queimar imediatamente diante
dos fiéis presentes, enquanto choravam todos de alegria, exaltando a bondade de
Deus e a misericórdia de Maria para com aquele pobre pecador. Teófilo,
entretanto, voltou à Igreja de Nossa Senhora, onde no fim de três dias morreu
contente e cheio de gratidão para com Jesus e sua Mãe Santíssima.
Oração
Ó Rainha e Mãe de misericórdia, que concedeis as graças a todos aqueles
que vos invocam, com tanta liberalidade porque sois Rainha, e com tanto amor
porque sois nossa Mãe amantíssima; a vós hoje me encomendo, eu, tão pobre de
merecimentos como carregado de dívidas para com a divina justiça. Em vossas
mãos, ó Maria, está a chave das misericórdias divinas. Não olvideis a minha
penúria e não me abandoneis em minha pobreza. Sois tão liberal com todos, e
acostumada a dar mais do que vos pedem. Mostrai a mesma liberalidade em meu
favor! Protegei-me, Senhora minha; eis o que vos peço. Nada receio se me
protegeis. Não temo os demônios, porque vós sois mais poderosa que todo o
inferno; não temo os meus pecados, porque vós com uma só palavra que faleis a
Deus, podeis alcançar-me o perdão de todos eles. Tendo eu o vosso favor, não
temo nem mesmo a cólera de Deus; pois basta uma súplica vossa para aplacá-lo.
Enfim, se me protegeis, espero tudo, pois que tudo vós podeis. Ó Mãe de
Misericórdia, eu sei que tendes prazer e vos glorias em ajudar os pecadores
mais miseráveis, e que os podeis ajudar, contando que não sejam obstinados. Eu
sou pecador, mas não sou obstinado; quero mudar de vida. Podeis, pois,
ajudar-me; valei-me e salvai-me. Ponho-me hoje nas vossas mãos. Dizei-me o que hei
de fazer para dar gosto a Deus, que eu o quero fazer; e espero fazê-lo com
vosso socorro, ó Maria, minha Mãe, minha luz, minha consolação, meu refúgio,
minha esperança.
(Glórias de Maria – Santo Afonso Maria de Ligório)
*Grifos meus.
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